Furto em sala de aula
Uma questão de ética e delicadeza
Marcia
Stein
Educadora
Experiências vividas por educadoras do Rio de
Janeiro ajudam a derrubar alguns mitos e estereótipos sobre o tema. Num
episódio ocorrido numa escola estadual, no Centro do Rio de Janeiro, Yacira Peixoto,
professora de História do ensino médio, conta como um susto acabou resolvendo o
caso, que rendeu boas conversas sobre ética e cidadania.
Primeiro, o susto; depois, aulas de cidadania.
Nossa
escola é uma unidade voltada para o ensino médio regular, de formação geral,
priorizando a cidadania. É uma escola que, além da preocupação com o ensino de
qualidade, com as mudanças sociais, também é conservadora quanto à questão
disciplinar. Em função disso, os alunos não encontram aqui um ambiente propício
à transgressão, e isso ocorre graças à unidade de pensamento que envolve o
corpo docente, a direção e os funcionários.
Em agosto
de 2004, uma aluna de uma turma em que eu leciono - 1ª série do ensino médio,
com alunos adolescentes e adultos - comunicou à direção do colégio o furto do
seu aparelho celular, que desaparecera enquanto ela estava no recreio. Ciente
da ocorrência, após o retorno dos alunos à sala de aula, a diretora adjunta da
escola, professora Rosangela Carvalho, lembrou à turma que a responsabilidade
da guarda de objetos pessoais e de qualquer outro material individual é do
próprio aluno e que, por sermos uma comunidade escolar, devemos ter em mente a
prática dos bons hábitos e costumes.
Foi
utilizada a estratégia de não caracterizar a ocorrência como furto mas, sim,
como uma brincadeira de mau gosto. Por isso, optamos por dizer à turma que
alguém provavelmente havia "escondido" o telefone para deixar sua
dona preocupada.
Comuniquei
aos alunos que não cabia aos professores exercer o papel de polícia, revistando
suas mochilas; entretanto, alertei para o fato de já ter solicitado que o
colégio requisitasse a presença de um policial que faria a revista, caso o
celular não aparecesse naquele dia. Demos um prazo de 10 minutos para que eles
tomassem uma atitude, reforçando que, ao retornarmos à sala, estávamos certas
de que o mal-entendido estaria resolvido. Todos ficaram em sala resolvendo a
questão entre si.
Por
coincidência, o sargento responsável pela ronda escolar diária chegou à escola
para o registro do seu comparecimento. Os alunos, acreditando que havia ligação
entre o furto e a presença do policial, ficaram em completo alvoroço.
Passados
os 10 minutos, retornamos à sala de aula e fomos avisadas pelo secretário de
que o celular tinha aparecido sobre um banco do pátio da escola. Se a rápida
solução do caso se deu graças à visita do sargento, nós não podemos afirmar; o
que importa é que não deixamos de aproveitar o episódio para conversar com os
alunos sobre os direitos que todos nós temos - e que devemos preservar - sobre
os bens pessoais e os coletivos etc.
A escola
não pode esconder esse tipo de ocorrência, devendo tratar esses assuntos com
todos os alunos, em todos os turnos, a fim de evitar a reincidência. Em
contrapartida, a equipe pedagógica deve preservar o aluno, garantindo o
anonimato tanto dos denunciantes quanto das vítimas, evitando a estigmatização
e a rotulação de ambos, o que é usual nessa faixa de idade.
Acreditamos
que o que o leva o aluno a furtar colegas e professores na sua própria escola é
o fato de que isso já faz parte do seu universo social. Em geral, esse
comportamento é anterior à sua chegada à escola, tendo origem no seu ambiente
familiar e nos exemplos que ele recebe de sua comunidade - colegas, vizinhos
etc. Faltam referências e modelos a serem seguidos em termos de conscientização
para um comportamento social de respeito e solidariedade. Nesse contexto, a
responsabilidade da escola na formação desses valores é maior, sendo importante,
inclusive, envolver as famílias dos alunos em campanhas e debates sobre o
problema.